“Matéria publicada originalmente no International Magazine nº 131, em 2007, por ocasião do início da série de relançamentos especiais dos Bee Gees.”
Bee Gees da era Beatles
A verdadeira importância dos Bee Gees ainda está por ser reconhecida. Ninguém como eles conseguiu estourar em extremos tão díspares do espectro pop quanto o rock inglês do “verão do amor” nos anos 60 e a “disco music” americana dos anos 70. E mesmo nos momentos de baixa popularidade, mantiveram a qualidade de sua obra. Os irmãos Barry, Robin e Maurice Gibb tinham personalidades musicais distintas que se completavam. Hoje o futuro do grupo é incerto, depois da morte de Maurice em 2003. Mas a discografia dos Bee Gees está sendo revisada pelo produtor Andrew Sandoval (ver entrevista), que já havia iniciado um trabalho semelhante com os Monkees.
A Warner do Brasil está de parabéns por colocar no mercado local a primeira leva que o selo americano Rhino lançou no ano passado nos Estados Unidos. São os três primeiros LPs que os Bee Gees lançaram a partir de 1967, quando voltaram da Austrália para a sua terra natal, a Inglaterra. Cada título está sendo relançado com as faixas originais em estéreo e mono, além de um CD bônus com faixas inéditas ou raras. Tudo isso numa bela embalagem digipak com fotos a cores incluindo um livreto com texto e ficha técnica. Essa fase é hoje pouco lembrada pelos fãs brasileiros, que em geral só conhecem os sucessos de coletâneas ou apresentados pelo grupo no DVD ao vivo “One Night Only”. Mesmo na época, a exemplo do que acontecia com os Beatles e outros, os discos dos Bee Gees eram “remontados” no Brasil. O primeiro LP brasileiro do grupo chamou-se “Massachusetts”, tinha a mesma capa da edição americana de “Horizontal” e misturava músicas dos dois primeiros LPs com faixas de compactos. Somente nos anos 70 a discografia dos Bee Gees entre 67 e 73 foi lançada no Brasil de forma idêntica à original inglesa. Mas os vinis logo saíram de catálogo.
Ao chegarem na Inglaterra em 1967, os Bee Gees foram imediatamente contratados pelo empresário Robert Stigwood, que além de padrinho tornou-se um conselheiro valioso. Embora trouxessem no currículo dois LPs lançados na Austrália, decidiram recomeçar a carreira do zero. E deixaram isso bem claro no título do primeiro álbum para a Polydor: “Bee Gees 1st” (1º). As fotos dessa fase mostram quatro ou cinco integrantes: além de Barry, Robin e Maurice, somaram-se ao trio os australianos Colin Petersen na bateria e logo depois Vince Melouney na guitarra. Ambos já estavam em Londres e procuraram os velhos amigos que conheceram na terra natal. Com essa formação, os Bee Gees fizeram um som típico da era Beatles, talvez menos ousado do que o do quarteto de Liverpool, mas com muita influência. As harmonias vocais lembravam também os Hollies e outras bandas inglesas do momento. Com cabelos compridos e roupas coloridas, o grupo refletia o visual da “Swinging London”. Há quem considere esta a melhor fase dos Bee Gees.
O primeiro sucesso foi “New York Mining Disaster 1941”. Robert Stigwood ouviu a gravação original, com banda completa e um rico arranjo de orquestra, mas não aprovou. Pediu que o grupo a gravasse novamente “só com violão e voz, como tocaram para mim lá na sala”. E foi essa versão bem simples e acústica que o mundo veio a conhecer. Agora, o CD bônus resgata a gravação anterior, que é sem dúvida uma das grandes surpresas do relançamento. Não tem comparação, é muito melhor, com aquela sonoridade típica dos Bee Gees da primeira fase. É um crime que tenha ficado inédita por tanto tempo.
Os outros dois álbuns são “Horizontal” e “Idea”, lançados respectivamente em janeiro e agosto de 1968 (não se surpreendam: até meados dos anos 70, era comum artistas lançarem dois LPs por ano – o Pink Floyd começou a mudar isso). O primeiro teve o grande sucesso “Massachusetts” e o segundo trouxe a igualmente antológica “I Started a Joke”. Mas o atrativo maior destes relançamentos são mesmo os CDs bônus e suas raridades. “Sir Geoffrey Saved The World” foi lado B do compacto “Massachusetts” no Brasil e algumas rádios tocavam. Os fãs da época com certeza vão lembrar. Entre as inéditas, ouvem-se algumas brincadeiras e experiências com estilos que o grupo provavelmente não lançou para não confundir os fãs. Por exemplo, “Deeply, Deeply Me” é uma longa improvisação com influência indiana, lembrando os momentos psicodélicos de Beatles e Byrds. Já “I’ve Got to Learn” é um rhythm’n’blues furioso em que Robin Gibb solta sua voz no melhor estilo Wilson Pickett. Aparecem também músicas de Natal, incluindo um medley de canções tradicionais (entre elas “Silent Night” ou “Noite Feliz”) e até dois jingles para a Coca-Cola, “Another Cold and Windy Day” e “Sitting in the Meadow”. Por fim, há versões alternativas de músicas lançadas (a exemplo da já citada “New York Mining Disaster 1941) e outras composições inéditas como “Out of Line”, “Ring My Bell”, “Mrs. Gillespie’s Refrigerator”, “Chocolate Symphony” e a bonita instrumental “Gena’s Theme”.
Este pontapé inicial já deixa os fãs com água na boca pelo que deve vir por aí. Existe muito material inédito para lançar. Alguma coisa já saiu em “bootleg”, mas nem sempre com boa qualidade. É uma chance de ouro para os admiradores brasileiros conhecerem desde o princípio a obra de seus ídolos. E com um tratamento especialíssimo, como todos os bons relançamentos deveriam ser.
O que começou primeiro: sua pesquisa para o livro dos Monkees (“The Monkees: The Day-By-Day Story of the 60s TV Pop Sensation”) ou seu trabalho como produtor de relançamentos?
Eu comecei produzindo relançamentos em 1989 para a Rhino Records. O primeiro foi um disco dos Monkees chamado “Missing Links 2” (co-produzido pelo mestre da remasterização, Bill Inglot).
Você tem algum grau de envolvimento no processo em si de remixagem e/ou remasterização ou você apenas pesquisa nos arquivos, seleciona as faixas e coordena os projetos como um todo?
Eu participo das sessões de remasterização e normalmente faço eu mesmo a remixagem (nos casos em que é feita). Também faço minha própria pesquisa das fitas. A maioria dos projetos em que sou creditado é feita por mim desde o começo. Também me envolvo na parte gráfica e seleção de fotos.
Você tem um contrato exclusivo com a Rhino ou também trabalha de forma independente para outras gravadoras?
Eu trabalho mais para a Rhino, mas já fiz trabalhos no passado para a EMI, Universal, Sanctuary, Sony, Warner Music inglesa, Varese Sarabande e Sundazed.
Barry e Robin se envolveram neste projeto? Qual foi a contribuição deles?
Todos os elementos dos relançamentos passaram pela aprovação deles, da seleção de faixas à parte gráfica.
Que eu saiba, antes dos relançamentos dos Monkees e agora dos Bee Gees, nunca haviam sido feitos relançamentos incluindo tanto as faixas em estéreo e mono quanto faixas-bônus. A idéia foi sua? Foi difícil convencer a gravadora?
Acho que já haviam sido feitos antes em outros projetos, então não são os primeiros. Quando falamos para Barry Gibb, ele gostou da idéia e levamos adiante.
Nos Estados Unidos, os três álbuns foram relançados numa caixa e a foto usada, que é a mesma que aparece na contracapa do CD “Bee Gees 1st” (somente no relançamento), mostra apenas Barry, Robin e Maurice. Mas naquela época a banda também tinha os integrantes australianos Colin Petersen e Vince Melouney. E Colin aparecia originalmente naquela foto, mas sua imagem foi apagada. Por quê? Houve reclamações de Vince ou Colin?
Aquela era uma das melhores fotos que tínhamos. Mas Vince, que ainda não tinha entrado para a banda, não aparecia na foto. Se usássemos uma foto sem Vince, as pessoas reclamariam do porquê de ele estar fora. Então deixamos somente os irmãos Gibb, que de qualquer forma eram o núcleo da banda. Ninguém questiona isso.
Vince e Colin tiveram algum envolvimento nestes relançamentos?
Vince revisou a lista de faixas e foi entrevistado para o texto do encarte. Já com Colin foi difícil de entrar em contato diretamente.
Você ficou surpreso com a qualidade das gravações inéditas? Quais são suas favoritas?
Antes de iniciar o projeto eu já conhecia a maior parte do material inédito dos Bee Gees. Mesmo assim, fiquei surpreso com o quanto ainda nunca tinha sido ouvido. Minhas favoritas são “Out of Line”, “Ring My Bell” e “Chocolate Symphony”.
Em 1970, Barry, Robin e Maurice gravaram discos solo que nunca foram lançados. Depois, em 1973, os Bee Gees gravaram um disco com o título provisório de “A Kick in The Head is Worth Eight in The Pants” que também foi engavetado. Serão lançados em algum momento?
Espero que sim, mas cabe a Barry e Robin decidir quando é o momento certo.
Além disso, você pretende usar algum material ao vivo ou gravações da BBC como faixas bônus?
Esperamos lançar algumas das gravações da BBC no futuro.
Qual é a sua fase preferida dos Bee Gees?
Eu gosto de todo o catálogo, mas meu álbum preferido é “Odessa”.
Os Bee Gees possuem muitos fãs no Brasil, os quais consideram os álbuns posteriores aos anos 70 no mesmo nível dos clássicos, citando “One”, “Still Waters” e até mesmo “This is Where I Came In” entre seus preferidos. A série de relançamentos irá cobrir esses discos posteriores? Terão CD bônus?
Esperamos apresentar esses álbuns da mesma forma no futuro.
Você acha que os Bee Gees algum dia vão voltar? Não para apresentações isoladas, mas para excursionar e lançar um novo álbum?
Não tenho idéia. Isso é entre Barry e Robin.
Além dos Bee Gees e dos Monkees, em que outros projetos você está envolvido neste momento?
Estou trabalhando em dois volumes da série “Nuggets” para a Rhino destacando singles esquecidos de folk rock e rock de garagem dos anos 60.
E quanto a sua carreira de músico? Baixei algumas faixas do seu site ( http://www.andrewsandoval.com) e gostei bastante. Como é que você trabalha para “majors” e elas não o contratam como artista?
Eu sempre mantive a minha carreira musical separada de meu trabalho com relançamentos. Os dois, surpreendentemente, nunca se misturaram. Meu novo álbum “From Me To You” será lançado em maio de 2007 – é meu quarto disco.